quinta-feira, 9 de julho de 2009

Vem, faz de mim Concerto!



Silêncio!
Calem-se vocês todos!
Calem-se as vozes e a guitarra,
Cale-se o piano e o baixo,
Deixem-me ouvir os tambores.
Toca agora tu, guitarra, baixinho...
Entra o piano, melodia serena,
O baixo brinca em sons graves,
Calem-se os tambores.
Começam as vozes,
Sem se distinguir letras ou palavras,
Apenas sons desconexos de timbres diferentes.


Entro na câmara vazia, um palco suspenso, uma cadeira vazia.
Sento-me na cadeira, única espectadora do palco vazio, e as luzes apagam-se.
Acende-se um foco branco, uma menina está sentada no chão preto, vestido azul e laço no cabelo. Ergue a cabeça antes enterrada nos joelhos e olha-me nos olhos:

- Sabes quem sou - (Ela não pergunta, afirma) - Sou aquela que enterras-te debaixo da cama. Estou lá até hoje, esquecida, adormecida, morta. Ganho vida em sonhos a preto e branco, e viajo pelo mundo. Mas estou na mesma estrada poeirenta que não leva a lado nenhum. E continuo debaixo da tua cama...


A correr cheguei ao meu quarto, pus me de joelhos e olhei para debaixo da cama.... Lá estava ela... Ainda a sorrir... Joana a Boneca da minha infãncia.... Coberta do pó do tempo, olhava-me com os seus grandes olhos azuis, o cabelo de lã perdia o seu tom cor-de-rosa e o seu corpinho de trapo, sujo e manchado, ainda tinha o vestido que eu fizera de velhos panos.

Tantos anos passaram que me esqueci de quem sou, da criança que vive em mim, pura, em bruto, sem influencia da vida. Tudo isso sumiu e ficou fechado numa velha boneca de trapos....




terça-feira, 7 de julho de 2009

Da janela vejo o teu Sorriso




Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me pára o coração robusto.

Não que de larvas me povôe a mente
Esse vácuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razão por que afuguente
Algum remorso, com que encara a custo...

Nem fantasmas nocturnos visionários,
Nem desfilar de espectros mortuários,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte...

Nada! o fundo dum poço, húmido e morno,
Um muro de silêncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiões do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D'um mundo estranho, que povôa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visões da noite se confia.

Que místicos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N'esta viagem pelo ermo espaço,
Só busco o teu encontro e o teu abraço,
Morte! irmão do Amor e da Verdade!

III

Eu não sei quem tu és — mas não procuro
(Tal é minha confiança) devassá-lo.
Basta sentir-te ao pé de mim, no escuro,
Entre as formas da noite, com quem falo.

Através do silêncio frio e obscuro
Teus passos vou seguindo, e, sem abalo,
No cairel dos abismos do Futuro
Me inclino à tua voz, para sondá-lo.

Por ti me engolfo no nocturno mundo
Das visões da região inominada,
A ver se fixo o teu olhar profundo...

Fixá-lo, compreendê-lo, basta uma hora,
Fúnera Beatriz de mão gelada...
Mas única Beatriz consoladora!

IV

Longo tempo ignorei (mas que cegueira
Me trazia este espírito nublado!)
Quem fosses tu, que andavas a meu lado,
Noite e dia, impassíel companheira...

Muitas vezes, é certo, na cansira,
No téio extremo d'um viver magoado,
Para ti levantei o olhar turvdo,
Invocando-te, amiga derradeira...

Mas não te amava então nem conhecia:
Meu pensamento inerte nada lia
Sobre essa muda fronte, austera e calma.

Luz íntima, afinal, alumiou-me...
Filha do mesmo pai, já sei teu nome,
Morte, irmã co-eterna da minha alma!

V

Que nome te darei, austera imagem,
Que avisto já n'um angulo da estrada,
Quando me desmaiava a alma prostrada
Do cansaço e do tédio da viagem?

Em teus olhos vê a turba uma voragem,
Cobre o rosto e recua apavorada...
Mas eu confio em ti, sombra velada,
E cuido perceber tua linguagem...

Mais claros vejo, a cada passo, escritos,
Filha da noite, os lemas do Ideal,
Nos teus olhos profundos sempre fitos...

Dormirei no teu seio inalterável,
Na comunhão da paz universal,
Morte libertadora e inviolável!

VI

Só quem teme o Não-ser é que se assusta
Com teu vasto silêncio mortuário,
Noite sem fim, espaço solitário,
Noite da Morte, tenebrosa e augusta...

Eu não: minh'alma humilde mas robusta
Entra crente em teu átrio funerário:
Para os mais és um vácuo cinerário,
A mim sorri-me a tua face adusta.

A mim seduz-me a paz santa e inefável
E o silêncio sem par do Inalterável,
Que envolve o eterno amor no eterno luto.

Talvez seja peccado procurar-te,
Mas não sonhar contigo e adorar-te,
Não-ser, que és o Ser único absoluto.

Antero de Quental, in "Sonetos"

sábado, 4 de julho de 2009


Quando criança corria nua pela quinta da minha infancia. Corria nua pelas oliveiras, trepava às arvores de laranjeiras e figueiras... era eu e a natureza, numa forma pura. Mais velha, passeava de vestido branco, simples, que esvoassava ao vento descobrindo as minhas pernas. Sentava me na arvore derrubada pela tempestada, deitava me no seu ramo largo e olhava o rebanho, inocente, com uma felicidade irracional. Os recem nascidos seguiam as suas maes, aventurando-se um pouco mais longe, de lã virgem e branca como neve.

Descia da arvore e deitava-me na erva. Observava os insectos, as formigas que me ignoravam, apressadas, atarefadas, carregadas com pedaços não sei bem de quê. Virava-me. As nuvens. O céu azul, tão azul, tão simples e belo. Seguia então para o muro, andando por cima dele, tal trapezista, e o meu vestido voava ao vento. O cheiro do estábulo, da palha que o meu tio atira para os comedouros, cheiro familiar que não reconheço.


Hoje vagueio pela quinta... morta... sem vida... não existem rebanhos e recém nascidos. as laranjeiras e figueiros secaram. A palha apodreceu com as chuvas. Só me resta o meu ramo da árvore onde me deito. o céu está nublado. Cai a chuva, escorre-me pelo cabelo, desliza-me pelo peito até ao meu regaço. Mistura-se ela com as minhas lágrimas, e não sei mais quem chora.


A quinta morreu. Tingi o meu vestido branco, agora negro, e despeço-me, solene, já sem lágrimas para cairem pela minha face. Não existe mais sorriso. Não existe mais choro.



O que resta então?

quinta-feira, 2 de julho de 2009


Caminhava, sentada no carro, dentro da minha mente. Caminhava por entre as belas planicies que se estendiam no meu olhar. Um horizonte sem fim, todas as cores nas searas do alentejo. O céu azul tornou-se fogo... e ao cair do sol estinguem-se as chamas em belos tons purpura e azuis.


Pequenas garças voavam por entre as arvores. Gritando freneticamente o surgir da lua. O carro passava e a paisagem mudava. O horizonte antes tão perto foge à nossa frente, inatingivel... infinito... deixando-nos pequenos frente a ele... dando-nos sede de chegar, fome de infinito, e andamos, corremos, voamos entre as estrelas que transparecem no céu nocturno...