quarta-feira, 24 de junho de 2009

Quem és tu? Tu ai! Tu... do outro lado do espelho!

Não sei quantas almas tenho  
Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem achei. 
De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem alma não tem calma.
 Quem vê é só o que vê, 
Quem sente não é quem é,  
Atento ao que sou e vejo, 
Torno-me eles e não eu. 
Cada meu sonho ou desejo 
É do que nasce e não meu. 
Sou minha própria paisagem, 
Assisto à minha passagem, 
Diverso, móbil e só, 
Não sei sentir-me onde estou.  
Por isso, alheio, vou lendo 
Como páginas, meu ser. 
O que segue não prevendo,
 O que passou a esquecer. 
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti. 
Releio e digo: > 
Deus sabe, porque o escreveu.           

     Fernando Pessoa

quarta-feira, 17 de junho de 2009



Vivi nas sombras de uma ilusão, o som do violino melancolico que me embalava nas noites de lua tornou se a banda sonora da minha vida...

A vida tornou-se o bater melancolico de uma campainha irritante numa casa vazia, insistindo e ecoando na cabeça de quem não quer abrir a porta...


Acordei e decidi, parti o violino em pedaços espalhados pelo chão da sala. Rebentei as cordas, limpei as lagrimas e gritei!


Agora vibro ao som dos tambores, olho a vida de frente e digo: Sou feliz!



sexta-feira, 12 de junho de 2009

LISBON REVISITED (1923)

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!